Era uma tarde nos finais de Julho.
Havia meses que não chovia.
Jaime cumpria a sua miserável rotina de escriturário no negócio da família.
Naquele dia a habitual sonolência era mais pronunciada. Já tinha consultado todos os jornais online de que gostava e no Facebook não aparecia ninguém.
De súbito, ocorreu-lhe que poderia abrir o Word e vomitar para lá toda a frustração de quem vê a própria vida fugir-lhe por entre os dedos.
Afinal de contas estaria a teclar. Não havia como perceberem que não estava propriamente a actualizar a Base de Dados de clientes, como o seu irmão mais velho lhe ordenou que fizesse.
No princípio não sabia como começar. Não queria de todo fazer o papel de carpideira lamentando o infortúnio de ser quem é. Até porque não era isso que sentia naquele momento. O que o dominava era o sonho de poder ser diferente. De as coisas poderem ser diferentes. O sonho do futuro que nunca chegou.
E sonhou.
Sonhou que era saudável.
Sonhou que era alto e magro.
Sonhou que tinha um emprego de que gostava e que era bem pago.
Sonhou também que vivia sozinho, nos arredores de uma qualquer metrópole europeia. De preferência a Sul. Talvez Paris.
Nos seus sonhos cabiam duas mãos cheias de amigos próximos.
Não necessariamente à mão, mas próximos do coração.
Jaime sonhou que era um mago na cozinha e que realizava na sua pequena casa os mais deliciosos banquetes. Não teria televisão. Não seria audiência para a solidão, como alguém dizia. Em sua casa dominavam a rádio e a música. E as pessoas.
As pessoas entravam e saíam sem hora marcada.
Certamente existiriam flores na casa do Jaime. Talvez um aquário. Quadros e pequenas esculturas. Postais e fotografias, das várias viagens que faria todos os anos.
Viajar seria como respirar, uma necessidade.
Faria voluntariado. De preferência com crianças ou jovens.
Jaime procuraria o Amor. Em todas as coisas.
Sucumbiria facilmente à melodia inebriante dos belos corpos.
Acompanharia os amigos em deambulações noctívagas por prazer e luxúria.
Amaria o Teatro e os seus fazedores.
Teria uma coluna humorística num jornal online.
Jaime seria feliz.
Depois acordou.